Olho no espelho. O que vejo? O rosto de alguém que morre de
vergonha. A vergonha está marcada nessa cara, no cabelo desarrumado, na
sobrancelha mal feita, nas espinhas que teimam em aparecer. Vergonha total,
cheia, gorda, amarga, feia, suja. Vergonha triste, desamparada. Vergonha que
não sabe fazer outra coisa que não ficar ali, preenchendo todos os cantos
côncavos desse rosto. Vergonha que parece emanar das olheiras fundas. Vergonha
que não tem bordas, não tem início, nem meio, nem fim. Essa vergonha apenas é.
Não apenas, porque ser nunca é só isso. A vergonha é a imperatriz desse rosto
maculado por uma imundície fétida, por toda a podridão que pode haver nos
submundos. Corvos e ratazanas perpassam como sombras os olhos desse rosto. São
olhos envergonhados que piscam, mas não se esvaem em lágrimas, pois até estas
se recusam a percorrer uma face, assim, tão desprezível.
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