sábado, 15 de dezembro de 2012

Wallerstein

"Os Estados são a principal fonte de ideologias que convencem a massa populacional a ser relativamente paciente. O principal argumento a favor da paciência tem sido a inevitabilidade da reforma. As coisas vão melhorar - se não imediatamente, então para os nossos filhos e netos. Um mundo mais próspero e igualitário está no horizonte. Esta, claro, é a ideologia liberal oficial que tem dominado a geocultura desde o século XIX. Mas também tem sido o tema de todos os movimentos anti-sistêmicos, incluindo aqueles que se proclamam os mais revolucionários. Estes movimentos têm enfatizado particularmente este tema quando detêm o poder de Estado. Têm dito às suas próprias classes trabalhadoras que estão em via de "desenvolver" suas economias e que estas classes trabalhadoras têm de ser pacientes enquanto os frutos do crescimento econômico melhoram sua vida. Têm pregado a paciência quanto aos padrões de vida mas também quanto à ausência de igualdade política.

(...) O registro dos regimes pós-"revolucionários" tem demonstrado que eles não têm sido capazes de reduzir de modo significativo a polarização mundial, ou mesmo a interna, nem têm conseguido instituir uma autêntica igualdade política dentro dos seus próprios países. Têm alcançado muitas reformas, mas eles prometiam muito mais do que reformas. E, porque, o sistema-mundo tem permanecido uma economia-mundo capitalista, os regimes fora da zona fulcral têm sido estruturalmente incapazes de alcançar os países ricos.

Isto não é apenas uma questão de análise acadêmica. O resultado destas realidades tem sido uma desilusão monumental com os movimentos anti-sistêmicos. O apoio que ainda mantêm é, no máximo, na condição de grupos reformistas talvez melhores do que uma alternativa mais à direita, mas certamente não são considerados precursores de uma nova sociedade. O principal resultado tem sido um desinvestimento maciço nas estruturas estatais. As massas do mundo, tendo-se voltado para os Estados como agentes de transformação, regressaram agora a um ceticismo mais fundamental sobre a capacidade de os Estados promoverem transformação ou mesmo manterem a ordem social.

(...) Podemos pensar nessa longa transição como uma enorme luta política entre dois grandes campos: o campo dos que desejam manter os privilégios do atual sistema desigualitário, embora sob formas diferentes, talvez muito diferentes; e o campo dos que gostariam de ver a criação de um sistema histórico significativamente mais democrático e mais igualitário. Contudo, não podemos esperar que os membros do primeiro campo se apresentem da forma que os descrevi. Afirmarão que são modernizadores, novos democratas, defensores da liberdade e progressistas. Podem reivindicar até mesmo a condição de revolucionários. A chave não está na retórica, mas na realidade substantiva daquilo que é proposto.

O resultado da luta política dependerá, em parte, de quem conseguirá mobilizar quem, mas dependerá também, em grande medida, da capacidade de analisar melhor o que está ocorrendo e quais as verdadeiras alternativas históricas com as quais nos defrontamos coletivamente. Isto é, trata-se de um momento em que precisamos unificar conhecimento, imaginação e prática. Caso contrário, arriscamos-nos a dizer, daqui a um século: "Quanto mais muda, mais é a mesma coisa". O resultado é, insisto, intrinsecamente incerto, e precisamente por isso aberto à intervenção e criatividade humanas."

(WALLERSTEIN, Immanuel. O Declínio do Poder Americano. 2002)

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