segunda-feira, 27 de maio de 2013

Vergonha

Olho no espelho. O que vejo? O rosto de alguém que morre de vergonha. A vergonha está marcada nessa cara, no cabelo desarrumado, na sobrancelha mal feita, nas espinhas que teimam em aparecer. Vergonha total, cheia, gorda, amarga, feia, suja. Vergonha triste, desamparada. Vergonha que não sabe fazer outra coisa que não ficar ali, preenchendo todos os cantos côncavos desse rosto. Vergonha que parece emanar das olheiras fundas. Vergonha que não tem bordas, não tem início, nem meio, nem fim. Essa vergonha apenas é. Não apenas, porque ser nunca é só isso. A vergonha é a imperatriz desse rosto maculado por uma imundície fétida, por toda a podridão que pode haver nos submundos. Corvos e ratazanas perpassam como sombras os olhos desse rosto. São olhos envergonhados que piscam, mas não se esvaem em lágrimas, pois até estas se recusam a percorrer uma face, assim, tão desprezível.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Reunião de família


Reunião de família. Aniversário da tia. Tios, avó e primos na mesa. Seu tio começa a dizer que você tem que ter ambição e arrumar logo um emprego pra ser "independente". Segundo ele, você tem que ser a MELHOR.

Você começa a dizer que não sabe muito bem o que vai fazer ainda... Ta pensando em seguir a vida acadêmica, mas não tenha muita certeza. Aliás, não tenha muita certeza de nada. O importante
mesmo é sentir que está contribuindo para a melhoria da sociedade ao mesmo tempo que também se realiza profissionalmente.

Olhos arregalados, confusos.

Sua tia solta: "Gente, ela ta querendo mudar as estruturas da sociedade", em tom jocoso.

Todos riem, intensamente. Os olhares são cúmplices.

E começa a profusão de frases do tipo "Ah, quando eu tinha 20 anos...", "Essa fase passa", "Você tem que pensar em como comprar um apartamento e um carro", "Temos que seguir a maré da vida"...

Não te renda jamais (poema)

(Pra repetir baixinho, como um mantra, na escuridão silenciosa do quarto, perturbada apenas pelo rugido calmo do ventilador...)

Não Te Rendas Jamais

"Procura acrescentar um côvado
à tua altura. Que o mundo está
à míngua de valores
e um homem de estatura justifica
a existência de um milhão de pigmeus
a navegar na rota previsível
entre a impostura e a mesquinhez
dos filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se derrama sobre a areia
e busca as profundezas, o tumulto
do sangue a irromper na veia
contra os diques do cinismo
e os rochedos de torpezas
que as nações antepõem a seus rebeldes.
Não te rendas jamais, nunca te entregues,
foge das redes, expande teu destino.
E caso fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te lamber a mão,
atira-te contra as escarpas
de tua angústia e explode
em grito, em raiva, em pranto.
Porque desse teu gesto
há de nascer o Espanto."

Eduardo Alves da Costa

Wallerstein

"Os Estados são a principal fonte de ideologias que convencem a massa populacional a ser relativamente paciente. O principal argumento a favor da paciência tem sido a inevitabilidade da reforma. As coisas vão melhorar - se não imediatamente, então para os nossos filhos e netos. Um mundo mais próspero e igualitário está no horizonte. Esta, claro, é a ideologia liberal oficial que tem dominado a geocultura desde o século XIX. Mas também tem sido o tema de todos os movimentos anti-sistêmicos, incluindo aqueles que se proclamam os mais revolucionários. Estes movimentos têm enfatizado particularmente este tema quando detêm o poder de Estado. Têm dito às suas próprias classes trabalhadoras que estão em via de "desenvolver" suas economias e que estas classes trabalhadoras têm de ser pacientes enquanto os frutos do crescimento econômico melhoram sua vida. Têm pregado a paciência quanto aos padrões de vida mas também quanto à ausência de igualdade política.

(...) O registro dos regimes pós-"revolucionários" tem demonstrado que eles não têm sido capazes de reduzir de modo significativo a polarização mundial, ou mesmo a interna, nem têm conseguido instituir uma autêntica igualdade política dentro dos seus próprios países. Têm alcançado muitas reformas, mas eles prometiam muito mais do que reformas. E, porque, o sistema-mundo tem permanecido uma economia-mundo capitalista, os regimes fora da zona fulcral têm sido estruturalmente incapazes de alcançar os países ricos.

Isto não é apenas uma questão de análise acadêmica. O resultado destas realidades tem sido uma desilusão monumental com os movimentos anti-sistêmicos. O apoio que ainda mantêm é, no máximo, na condição de grupos reformistas talvez melhores do que uma alternativa mais à direita, mas certamente não são considerados precursores de uma nova sociedade. O principal resultado tem sido um desinvestimento maciço nas estruturas estatais. As massas do mundo, tendo-se voltado para os Estados como agentes de transformação, regressaram agora a um ceticismo mais fundamental sobre a capacidade de os Estados promoverem transformação ou mesmo manterem a ordem social.

(...) Podemos pensar nessa longa transição como uma enorme luta política entre dois grandes campos: o campo dos que desejam manter os privilégios do atual sistema desigualitário, embora sob formas diferentes, talvez muito diferentes; e o campo dos que gostariam de ver a criação de um sistema histórico significativamente mais democrático e mais igualitário. Contudo, não podemos esperar que os membros do primeiro campo se apresentem da forma que os descrevi. Afirmarão que são modernizadores, novos democratas, defensores da liberdade e progressistas. Podem reivindicar até mesmo a condição de revolucionários. A chave não está na retórica, mas na realidade substantiva daquilo que é proposto.

O resultado da luta política dependerá, em parte, de quem conseguirá mobilizar quem, mas dependerá também, em grande medida, da capacidade de analisar melhor o que está ocorrendo e quais as verdadeiras alternativas históricas com as quais nos defrontamos coletivamente. Isto é, trata-se de um momento em que precisamos unificar conhecimento, imaginação e prática. Caso contrário, arriscamos-nos a dizer, daqui a um século: "Quanto mais muda, mais é a mesma coisa". O resultado é, insisto, intrinsecamente incerto, e precisamente por isso aberto à intervenção e criatividade humanas."

(WALLERSTEIN, Immanuel. O Declínio do Poder Americano. 2002)

Canção do Remendo e do Casaco


Canção do Remendo e do Casaco

Sempre que o nosso casaco se rasga
vocês vêm correndo dizer: assim não pode ser;
isso vai acabar, custe o que custar!
Cheios de fé vão aos senhores
enquanto nós, cheios de frio, aguardamos.
E ao voltar, sempre triunfantes,
nos mostram o que por nós conquistam:
Um pequeno remendo.
Ótimo, eis o remendo.
Mas onde está
o nosso casaco?

Sempre que nós gritamos de fome
vocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar,
é preciso ajudá-los, custe o que custar!
E cheios de ardor vão aos senhores
enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos.
E ao voltar, sempre triunfantes,
exibem a grande conquista:
Um pedacinho de pão.
Que bom, este é o pedaço de pão,
Mas onde está
o pão?

Não precisamos só do remendo,
precisamos o casaco inteiro.
Não precisamos de pedaços de pão,
precisamos de pão verdadeiro.
Não precisamos só do emprego,
toda a fábrica precisamos.

E mais o carvão.
E mais as minas.
O povo no poder.
É disso que precisamos.
Que tem vocês
a nos dar?

Bertolt Brecht

Sobre Interdisciplinaridade e Cultura Geral

(...) A excessiva compartimentação disciplinar produziu, como contrapartida, um movimento a favor do estudo da totalidade em ciências naturais e humanas. Desde então se restabeleceu a necessidade de alcançar uma cultura geral que permitisse ao estudioso mudar de especialidade no curso de sua vida intelectual. Propôs-se uma solução que continua válida: tornar-se especialista no estudo de um problema, independentemente de qualquer especialização advinda das disciplinas que se ensinam em distintas faculdades.

No campo da cultura geral se restabeleceram perguntas que hoje estão mais vivas que nunca: que cultura geral devemos adquirir e em consideração a que objetivos epistemológicos, estéticos, políticos, históricos devemos forjá-la? Que autores e livros devemos conhecer? Ou que capítulos de um livro? Ou que métodos e técnicas? Ou que linguagens e formas de expressão, de comunicação, de ação? E se não se é especialista em uma disciplina determinada, por exemplo, se não se é matemático, o que se deve estudar das matemáticas? E, para integrar uma cultura geral que permita a uma pessoa se especializar, o que ela deve aprender ou que conhecimento é necessário dominar no próprio idioma, nas matemáticas, no conhecimento histórico, nas ciências naturais e nas tecnologias?
 
O assunto consiste em determinar o que aprender e o que ensinar e se resolve em grande medida quando se dá prioridade ao aprender que permite aprender e acumular novos conhecimentos e habilidades, que por sua vez permitem a capacitação máxima de alguém como profissional, como trabalhador manual e intelectual, como cidadão e como pessoa.
 
A expressão “aprender a aprender” não é uma mera frase. Corresponde a uma necessidade cada vez maior de dominar os métodos de aprendizagem num mundo em que o conhecimento se acumula a uma velocidade crescente. Alvin Toffler, em “Power Shift”, calculou que, quando um menino nascido em fins do século XX terminar a escola profissional, deverá adquirir conhecimento acumulado quatro vezes maior. Ainda assim não poderá ficar satisfeito com o que aprendeu, pois, ao completar cinquenta anos, o conhecimento acumulado no mundo será 32 vezes maior que quando nasceu. Esses cálculos são aproximados e pretensiosos; mas dão ideia da ordem de magnitude em que se delineiam os problemas de aprendizagem. Para fazer frente a eles, surgiu o que se chama de "aprendizagem de segundo grau", que consiste em "aprender a aprender". Apareceram também os programas de "educação contínua", que são o esboço de uma educação geral que atualiza os conhecimentos adquiridos na escola, ou de uma educação que atualiza os conhecimentos na própria especialidade, ou daquela que permite adquirir novas especialidades. Mas ainda não se institucionalizaram cursos de pós-graduação sobre cultura geral científica e humanística que ponham em dia especialistas cujo conhecimento de antigos "bacharéis" já é obsoleto. Na maior parte dos sistemas educativos e de pesquisa, a cultura geral continua no nível do bacharelado ou como mera "divulgação". Quanto à difusão da cultura, também não tem sido proposta como atualização informativa e formativa de conhecimentos científicos e humanísticos.

Por outro lado, cada vez mais se vive a necessidade de participar de trabalhos coletivos - trabalhos em equipes multidisciplinares -, isto é, com especialistas que, vindos de distintas disciplinas, devem se aproximar e aprender uma linguagem comum e até se especializar em uma área comum, interdisciplinar. Esta também é outra meta e outra solução: a integração e preparação de grupos multidisciplinares e interdisciplinares. Ambos os tipos de estudos se realizam ao convocar sociólogos, médicos, engenheiros que tenham uma linguagem franca e adquiram hábitos de comunicação real, ou seja, não inibitória, e apta para uma colaboração cada vez mais eficaz no esboço de pesquisas e projetos nos quais as interseções das várias disciplinas sejam analisadas em equipe. 

Os obstáculos para conseguir a colaboração entre diferentes especialistas são enormes: os gracejos e gestos desqualificadores, o manejo deliberado de expressões abstrusas que bloqueiam a comunicação, e até a aplicação injustificada da crítica de "sabichões" aos que se interessam em saber algo mais que sua especialidade, raras vezes derivam na necessidade de delinear uma educação científica dos humanistas e uma educação humanista dos cientistas em todos os níveis, incluindo o pós-doutorado ou o trabalho de campo, na "pólis". Comumente as aproximações acabam em frustração e só funcionam como bloqueios e obstáculos ao genuíno diálogo interdisciplinar característico da pesquisa mais necessária e avançada de nosso tempo.

CASANOVA, Pablo González. "As novas ciências e as humanidades: da academia à política". Páginas 20 e 21.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Prestando satisfações!

Ainda sem tempo para postagens de minha autoria!
Em breve botarei as mãos na massa novamente!

Abraços, queridos leitores.